Nossa vida não é feita apenas de abandonos e perdas de pessoas queridas porque morreram, porque crescemos, porque a vida quis assim, porque não temos tempo pra quase mais nada. Depois do trabalho, um pouco de atenção para a família, aquela bem restrita. A ampliada, a de tios, avós e primos, só existe agora em álbuns de retratos, ou em ocasiões muito especiais.
Também perdemos espaços queridos: calçadas e paredes descascadas, testemunhas de tantos beijos e canções na madrugada. Cinemas que não existem mais. Penumbras aconchegantes que se extinguiram com a nova iluminação da quadra. Quando adolescente e depois jovem, amigos eram meu mundo. Só queria estar com eles, respirar o mesmo ar.
Ficávamos o dia inteiro envolvidos em estudos, algum cinema, teatro e as inevitáveis conversas sobre como mudar esse mundo cruel e a existência ou não de Deus. Enfim, em casa, pra desespero dos meus pais, já chegava sofrendo de abstinência. Só pra tomar rápido um banho, comer alguma coisa e escapar sempre que podia para perambulações otárias, sem destino certo, rezando para que horas passassem bem devagar ou nem passassem!
- Esta casa não é hotel, gritava minha mãe!!!
Entre meus espaços perdidos em Brasília está uma das salas Funarte, hoje Cássia Eller. Lá aprendi a amar Rossellini, De Sica e Visconti. Na década de 70, em plena ditadura, havia os chamados Clubes de Cinema, iniciativa de abnegados.
No clube de cinema que funcionava na Escola Parque da Asa Sul, outro espaço querido, assisti seleções de filmes russos e tcheco das décadas de 50 e 60 . Todos muito poéticos, melancólicos.
O tempo passou, a turma do ócio ficou menor, a do trabalho não parou de crescer. Espaços amados como o Cine Cultura, onde assisti o Inocente de Visconti, hoje é um armarinho. O Astor, onde vi Paixão e Violência, também de Visconti, várias lojas. Assim como o Márcia, onde vi com Bebel, pequenina, ET - O Extraterrestre. Os três ficavam no Conjunto Nacional, que se transformou agora num shopping de passagem, não de passeio, tantas são as opções em Brasília.
Mas nunca é tarde para se rever o que permanece, o que não se mudou de lugar ou foi derrubado. O complexo Funarte é integrado por duas salas. Uma delas, agora, chama-se Cássia Eller, para pequenos espetáculos musicais. A outra , maior, é a Plínio Marcos, abriga o Centro Técnico de Artes Cênicas. A marquise que liga a Sala Cássia Eller à Sala Plínio Marcos é espaço aberto de exposições.
O tempo passa, o tempo voa e sempre, em nossas andanças por Brasília e outras cidades do Brasil e do mundo, muitos de nós continuam se reconhecendo em pessoas com aquele jeito de 'acabei de chegar de Woodstock"'. Naquela garota de rabo de cavalo pra não chegar atrasada à escola. Nos meninos que deitam e rolam em jardins e quintais. O espelho que nos traz o passado para o presente é infinito. .
Clara: o isolamento nos faz olhar para trás como se fosse espelho a nos guiar, como vc escreveu. Cheguei a Brasília em 1965 e a cidade é um grande cristal polido, especialmente agora que moro em Goiânia. Um dos reflexos é o de que são duas cidades que pouco olharam uma para outra a fim de se aproximarem mais, se esforçarem em compreender uma à outra. Vivemos de costas por esse tempo todo... Vou escrever sobre isso mais à frente. Seu texto está bonito e sensível, como sempre. Fernando Luz. Bj
ResponderExcluirPois é, na nossa idade, só o passado é infinito. Bjs, querido.
ResponderExcluirAmei. Clara, cronista de tempos e humores que já foram, mas continuam por aí.
ResponderExcluirObrigada pelo prestígio da leitura. Abraços
ExcluirClara, Clarinha, claridade. Seu texto fica ainda melhor a 10 mil km de distância. Um beijo espelhado.
ResponderExcluirObrigada Laerte do meu coração. Beijos
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