Sou eu, ali muito bem composta, de terninho verde-água. De aliança de casada bem visível para enfrentar um mundo ainda quase que exclusivamente masculino. A serva de Zeus autoriza minha entrada ao Templo. Meus olhos cegam-se de luz, minhas pernas tremem. Enfim, o meu lugar nesta vida: a Sala de Redação.
É no segundo andar do Edifício Denasa, Setor Comercial Sul, a um pulo da Esplanada dos Ministérios, da Praça dos Três Poderes, na sucursal do Jornal do Brasil, em Brasília, minha primeira estação de trabalho. Sim, eu estive sempre certa: reconheceria meu porto ao encontrá-lo, mesmo no breu, mesmo sob as chuvas raivosas ou a luz ofuscante do meio dia, às vezes impiedosa, do Planalto Central.
Cheguei. Meu coração para por um momento e, logo depois, começa a saltar feito louco.
Sou eu ali: mesas com máquinas de escrever barulhentas, telefones que fazem trins-trins, pastas de matérias arquivadas, manuais de redação, gente grisalha em ternos bem cortados, jovens em paletó amassado sobre o jeans surrado. Sou eu ali: tentando impor-se aos já muito experientes de retinas cansadas, nós de gravatas afrouxados, respiração dificultada pela nicotina e pelo tédio, diante de um telex de metro e meio recém-chegado. Em lugares assim, cheirando a papel, barulhentos, rádio e televisão ligados, regados à adrenalina dos prazos de fechamento de mais uma edição, construirei minha morada profissional nas próximas décadas.
Redações levariam algum tempo ainda para se informatizarem e se assemelharem às agências bancárias, como lamentou mais de uma vez João Saldanha. O cronista esportivo chega, um dia, à Redação do JB, no Rio, e tudo, de repente, mudado. Ninguém fazendo bolinhas de papel com a lauda inutilizada pelo lead mal feito. Ninguém tentando acertar a lata de lixo com elas. E o barulho dos teclados dos computadores, mesmo daqueles antigos, não competiam com os das máquinas de escrever manuais ou elétricas. Passou a enviar as colunas por fax, de casa.
Manhã de abril, morna e azul de 1977, respiro pela primeira vez, o mesmo ar que Carlos Castello Branco, o Castellinho. Aquele que recebia telefones bajuladores de presidentes fardados ou não; que sabia unir, em suas colunas, o presente, o passado e o futuro; que aplacava a desesperança dos mais velhos e iluminava a mente dos mais novos. É ele ali, pequenino, reinando silencioso, no corredor ao lado, em direção a sua saleta exclusiva.
Luiz Inácio, o chefe da hora, me cumprimenta sem levantar a cabeça da matéria que copidescava.
— Sim, você é a ...
Atende o telefone. Não me manda sentar. Não me sento.
Novamente, sem me dirigir o olhar:
— Olha, vá ao fundo da Redação, à esquerda... lá perto daquele rapaz ao telefone. Abra o armário, pegue a pasta da Teresa Cardoso, a melhor estagiária que tivemos até hoje aqui. Leia as matérias com atenção. Se você acha que é capaz de fazer metade do que ela fez, o lugar é seu. Se você acha que dá conta, nem precisa passar aqui pela minha mesa novamente. Diga ao Kleber Praxedes que começa amanhã, que ele te liga à tarde e lhe passa a pauta.
Destino selado.
É no segundo andar do Edifício Denasa, Setor Comercial Sul, a um pulo da Esplanada dos Ministérios, da Praça dos Três Poderes, na sucursal do Jornal do Brasil, em Brasília, minha primeira estação de trabalho. Sim, eu estive sempre certa: reconheceria meu porto ao encontrá-lo, mesmo no breu, mesmo sob as chuvas raivosas ou a luz ofuscante do meio dia, às vezes impiedosa, do Planalto Central.
Cheguei. Meu coração para por um momento e, logo depois, começa a saltar feito louco.
Sou eu ali: mesas com máquinas de escrever barulhentas, telefones que fazem trins-trins, pastas de matérias arquivadas, manuais de redação, gente grisalha em ternos bem cortados, jovens em paletó amassado sobre o jeans surrado. Sou eu ali: tentando impor-se aos já muito experientes de retinas cansadas, nós de gravatas afrouxados, respiração dificultada pela nicotina e pelo tédio, diante de um telex de metro e meio recém-chegado. Em lugares assim, cheirando a papel, barulhentos, rádio e televisão ligados, regados à adrenalina dos prazos de fechamento de mais uma edição, construirei minha morada profissional nas próximas décadas.
Redações levariam algum tempo ainda para se informatizarem e se assemelharem às agências bancárias, como lamentou mais de uma vez João Saldanha. O cronista esportivo chega, um dia, à Redação do JB, no Rio, e tudo, de repente, mudado. Ninguém fazendo bolinhas de papel com a lauda inutilizada pelo lead mal feito. Ninguém tentando acertar a lata de lixo com elas. E o barulho dos teclados dos computadores, mesmo daqueles antigos, não competiam com os das máquinas de escrever manuais ou elétricas. Passou a enviar as colunas por fax, de casa.
Manhã de abril, morna e azul de 1977, respiro pela primeira vez, o mesmo ar que Carlos Castello Branco, o Castellinho. Aquele que recebia telefones bajuladores de presidentes fardados ou não; que sabia unir, em suas colunas, o presente, o passado e o futuro; que aplacava a desesperança dos mais velhos e iluminava a mente dos mais novos. É ele ali, pequenino, reinando silencioso, no corredor ao lado, em direção a sua saleta exclusiva.
Luiz Inácio, o chefe da hora, me cumprimenta sem levantar a cabeça da matéria que copidescava.
— Sim, você é a ...
Atende o telefone. Não me manda sentar. Não me sento.
Novamente, sem me dirigir o olhar:
— Olha, vá ao fundo da Redação, à esquerda... lá perto daquele rapaz ao telefone. Abra o armário, pegue a pasta da Teresa Cardoso, a melhor estagiária que tivemos até hoje aqui. Leia as matérias com atenção. Se você acha que é capaz de fazer metade do que ela fez, o lugar é seu. Se você acha que dá conta, nem precisa passar aqui pela minha mesa novamente. Diga ao Kleber Praxedes que começa amanhã, que ele te liga à tarde e lhe passa a pauta.
Destino selado.
E assim se fez a jornalista que temos hoje. Grande abraço.
ResponderExcluirObrigada, Raquel. Bjs
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