Quando se pensa em viagem pelo Vêneto, norte da Itália, Veneza é a primeira cidade que aparece no roteiro. Depois Verona e Pádova. Só os mais atentos incluem Vicenza, que constou da peregrinação de dois anos (1786-1788) de Goethe pelo país. Vicenza e arredores concentram as obras mais importantes de Andrea Palladio, arquiteto renascentista nascido em Padova.
O escritor, ganhador do Nobel, Albert Camus, também reverenciou a cidade. Escreveu sobre uma caminhada que fez ao Monte Bérico, aos pés do qual a cidade se derrama. O monte, não é só local abençoado para fiéis em busca das graças de Nossa Senhora. Também sustenta - com a beleza do que se pode ver de lá, incluindo as montanhas que dão entrada às Dolomitas em série - a meditação, devaneios e epifanias de santos ou ateus.
Além dos palazzos das famílias mais importantes da cidade, é de Palladio a pequena joia de Vicenza chamada Teatro Olímpico. Quem vê o edifício de fora e sem informações prévias surpreende-se ao ponto do encantamento com o que lhe aguarda. Quem se informa previamente também se rende ao eterno ali materializado: o encontro entre passado, presente e futuro.
No palco, continua o cenário esculpido em madeira, obra do arquiteto Vincenzo Scamozzi, para a peça que inaugurou o teatro em 1585. Sim, no último quarto do século 16. Trata-se da reprodução em perspectiva perfeita de uma cidade grega da antiguidade. A peça: Édipo Rei.
Scamozzi era 40 anos mais jovem que Palladio. Portanto, foi dificil para ele obter loas nos mesmo grau das obtidas pelo mestre em vida. Mas o fato de o cenário não ter sido desmontado em seguida e preservado incólume até hoje, apesar dos bombardeios sofridos pela cidade, durante a Segunda Guerra, mostra que seus contemporâneos e sucessores sabiam e sabem estar diante de uma obra atemporal como a própria peça Édipo Rei.
O teatro continua tendo programação interna intensa em todas as estações do ano. Muitas das peças e apresentações musicais são feitas com o antigo cenário à vista. No verão, os concertos são realizados nos jardins. Em 1994, o teatro e outras obras de Palladio em Vicenza e arredores foram incluidas na lista de Património Mundial da UNESCO.
O teatro renascentista em invólucro medieval e o cenário de Scamozzi são maravilhas do mundo a nossa disposição. Diante deles, tudo faz sentido. A arte, materializada pelo talento e esforço ali dedicado por nossos semelhantes, ao mesmo tempo longínquos e tão próximos, resgata-nos do cotidiano cruel. Resgata-nos da espuma tóxica dos fatos mundanos que embotam nossa sensibilidade e nos jogam no abismo da desesperança.
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