Era uma vez, faz tempo, eu estava diante de um mar de verdes traduzíveis apenas em esmeraldas, musgos, canaviais ou palmeiras. E, mesmo encantada com a placidez enganadora das ondas que se desfaziam suaves na areia macia e branca; mesmo encantada com coqueiros recortando o céu azul e branco e tudo o mais que possa lembrar o Paraíso para quem mora em Brasília - cidade metade do ano seca, esturricada, sem o conforto de maresias, de ventos que trazem histórias de outros continentes-, mesmo assim encantada, eu não me esquecia.
Eu não me esquecia que estava bem perto das águas doces que nascem nas Gerais e sobem o mapa do Brasil, as águas do nosso rio mais cantado em verso e prosa. Nosso Jordão, o Velho Chico evoca milagres de multiplicação de pães e peixes. Evoca o sangue derramado por escravos e conquistadores, ladainhas ancestrais.
Não nos contentamos em vê-lo. Queremos nele ser batizados, queremos atravessá-lo andando por caminhos de pedras que afloram quando a chuva vai pra bem longe e seu leito encolhe-se. O Velho Chico é também o nosso Danúbio. Por onde passa, vai forjando identidade geográfica e cultural. E, como Minas, está onde sempre esteve: no coração do Brasil. Minas e São Francisco fazem o milagre da união nacional. Minas nunca nos deixou esquecer o Nordeste que, por sua vez, desbravou o Norte. Para além de Januária, Minas já é Nordeste. O Velho Chico chega ao mar por nós mineiros.
Eu estava em Maceió e as águas doces me chamavam lá para as bandas de Penedo. A cidade que hospedou Dom Pedro II e comitiva, a caminho de Paulo Afonso, Bahia, guarda, vaidosa, tesouros da passagem do séquito imperial. O casarão que abrigou o monarca é, hoje, o Museu do Paço. Expõe coleções de móveis, pinturas, louças e cristais dos séculos 18 e 19.
A história de Penedo explica a formação econômica e política do Brasil, desde o Descobrimento. Duarte Coelho (pai ou filho, há controvérsias) fundou, no século 16, o povoado às margens do São Francisco. A Capitania de Pernambuco chegava à foz do São Francisco, abrangendo, assim, Alagoas e Sergipe. No século 17, o rio contou a história do ciclo do gado. Ficou, então, conhecido como o rio dos currais, escoadouro da produção de carne e couro. No século 18, o ciclo do ouro, que também foi a do diamante, faz Minas despontar , no processo de interiorização do Brasil, sem que Penedo e o São Francisco perdessem importância.
O apogeu de Penedo ainda está em seus monumentos, igrejas barrocas e casarios coloniais, tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional. Tudo poderia estar mais bem cuidado. Mas estamos no Brasil e devemos render graças ao que ali permanece banhado por águas renovadas e tantas vezes escassas. O Velho Chico sente a seca, a devastação de suas margens e das nascentes de seus tributários. Em alguns pontos, outrora caudaloso, é apenas um riacho, um caminho de pedras úmidas. Mas, mesmo sofrido e minguado, é ainda mais precioso que todas as riquezas que vem transportando através dos séculos.
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