Outra tarde para se lesmolengar, lagartear em Poinciana. A cortina filtra a luz que ainda arde lá fora. Dos dois lados da sala, estantes repletas de livros. No meio, uma grande mesa. Computadores. Uma pequena redação. A amiga lembra dos tempos com o tio no exílio, das saudades de palmeiras e sabiás, de encontros com kadafi, Sadat, Ben Bella e Fidel. Paris, Nova York, e também Cidade do Médico, onde passaram noites inteiras em conversas com o escritor Gabriel Garcia Marques e Francisco Julião, o das Ligas Camponesas. Alguém se lembra?
Poinciana é nome de arbusto lenhoso, dizem que parente do nosso flamboyant. Viajou por correntezas marítimas e ventanias desde Madagascar até a América Central para reinar em vermelho, laranja e amarelo, na Flórida, ao fim de cada verão. A umidade e o calor lhe faz bem. Poinciona é o nome do coletivo de condomínios e também de casas isoladas, construídas em parcelas de terrenos ajardinados e sem cercas, nas vizinhanças de Orlando e de Kissimee.
A amiga nasceu em Roraima, cresceu em São Luis do Maranhão e Rio de Janeiro, amadureceu em Brasília e Paris. Mapeou todo o Araguaia em caminhadas de meses. Deixou seu reino, às margens do Xingu, o rio de sua aldeia para morar em Poinciana. Consola-se entre livros da biblioteca que levou na mudança. Aportou na Flórida como os integrantes da corte de Dom João VI, no Rio de Janeiro.Trouxe baús de livros, diários, rendas, cambraias, linhos, usos e costumes.
A amiga cruzou a fronteira da Argélia vinda do Marrocos, de carro, a passeio, justamente quando o avião com presos políticos brasileiros, trocados pelo embaixador americano sequestrado, aterrizava em Argel. Foi ao Vietnã, conta, no auge da guerra com os Estados Unidos. Tem afinidades eletivas com fatos relevantes. Sempre está, como se diz, no olho do furacão. E, agora, que mora na Flórida, literalmente.
Minha vida de repórter foi e é tão palpitante quanto idas semanais a supermercados em tempos de inflação sob controle. Feita de esperas de três, quatro horas por entrevistas de 15 minutos; de tocaias na Esplanada atrás de silêncios e declarações monossilábicas de ministros madrugadores ou notívagos. De primeiras páginas por golpes de sorte. Tipo: “Vamos encher a panela do povo”, resposta de um Delfim enfadado diante da tese macroeconômica, apresentada pelo repórter de O Globo. Perguntas compridas, ensaiadas, roubam do ministro preciosos minutos de concentração no que, de fato, lhe interessa: aprovar a agenda de visitas a associações comerciais do interior de São Paulo.
Delfim, então ministro da Agricultura, quer ser governador pelo voto direto e se cacifar para primeiro presidente civil desde 1964. Vestirá qualquer figurino de processo eleitoral que for preciso. Tem estoque de frases de efeito. Sabe cravar manchetes e as solta em conta-gotas. Assim que descobre ter acertado firme o alvo dos jornais televisivos noturnos e dos impressos do dia seguinte, levanta-se, agradece aos jornalistas e num piscar de olhos mergulha de volta ao gabinete. Escapa de cena feito Mandrake.
O jogo de aparição e desaparição do ministro e de seus assessores é tão perfeito que ficamos na dúvida se a entrevista realmente existiu. Mas com a matéria do dia em mãos, quem ousa reclamar da pergunta não respondida? Se a panela do povo terá ou não comida já é outra história. A manchete dada de mão beijada será suitada à exaustão. E quando essa mina se esgota, Mandrake está pronto pra outra. Frio e calculista tem sempre cartas na manga e sabe muito bem usá-las, segundo a própria conveniência. Foi assim. Eu me lembro.
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