Rompantes de sangue quente, no calor da hora, são de grande valia para repórteres carregadores de piano. Com eles construímos o inesquecível. “Atirem as bombas em mim”, responde irado, Figueiredo, num domingo de maio de 1981, na Hípica de Brasília, dia seguinte ao atentado do Riocentro. O general no exercício da Presidência da República apenas cumpria rotina dominical. Não deixaria de aparecer em público por causa de um atentado à sua direita. Mas também não sorriria.
Não daria entrevistas. Os jornais teriam que se contentar com fotos suas de cara amarrada, de reprovação ao descalabro do momento. Então, o desespero dos repórteres em cena, ilhados pela muralha de seguranças e assessores, provoca a única pergunta em uníssono e aos berros: “Presidente, presidente, uma declaração sobre o atentado de ontem.” Resposta lacônica dada (“Atirem as bombas em mim!”), o dia está ganho.
As frases de efeitos de Figueiredo fazem contraponto às de Delfim. Primam pela sinceridade. Foi o primeiro presidente militar a sair às ruas e, indagado sobre o que achava do cheiro do povo, não titubeou: “Prefiro o dos meus cavalos”. Disse que era melhor levar um tiro a ganhar salário mínimo e quando lhe perguntaram como gostaria de ser lembrado, disse que queria ser esquecido.
Poderia ter dito: como o presidente que fez a anistia, o presidente dos retornados políticos, o que começou, de fato, a transição para a democracia. Não se fantasiava de bacana. E sempre deu um chute no traseiro do politicamente correto. Fora da Presidência da República, recolheu-se ao Sítio do Dragão e cuidou de seus cavalos.
Sou escriba dessa Corte que avança para além da Esplanada dos Ministérios e Praça dos Três Poderes e, como polvo superalimentado, já abraça as duas asas do Plano Piloto. Observadora paciente dos fatos, escrevo sobre quem os cavalga ou quem deles apeia. Relato. Aprendi a ler tabelas e gráficos de cabeça pra baixo enquanto entrevisto, a vasculhar cestos de papéis ao lado de máquinas xerox de gabinetes. A recolher papeizinhos esquecidos depois de reuniões na sala do Conselho Monetário Nacional. Coisas do arco-da-velha, inimagináveis em tempos de celulares e tablets.
Depois de dar o trabalho por encerrado, se resolvo não voltar direto pra casa, fujo de restaurantes com carros oficiais à porta. Escondo da chefia o convite do ministro para jantar, quando me viu, ao encerrar o expediente, ainda na portaria, à espera de resposta que seus assessores me negaram durante todo o dia. Quero namorar. E o amor de paciência curta já me espera estacionado a poucos metros dali.
Publicado em 01/01/2016, no Blog do Matheus Leitão (G1)
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