Anões da nossa infância habitam cavernas e troncos de árvores. São trabalhadores, gostam de casinhas em ordem e enfeitadas. Adoram tortas de frutas. Foi num grande circo de lona colorida que, pela primeira vez, vi a Branca de Neve, em carne osso, na casa dos sete anões: sete caminhas, sete cadeirinhas, sete tantas coisas bem pequeninas.
Os anões eram todos brincalhões, exceto o que era zangado, e davam cambalhotas e cantavam depois de um dia de trabalho estafante nas minas: Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou... Quando vi a Branca de Neve de verdade, fora da tela do cinema, no picadeiro do circo que visitava a cidade da minha infância, a história me calou ainda mais fundo. Como pode um pai viúvo casar-se com uma rainha da maldade, capaz de ordenar que se arrancasse o coração da enteada tão bela? Como esquecer a maçã envenenada de inveja? O espelho que só diz a verdade?
Décadas depois, estava eu, minha filha, cunhada e sobrinha, na então EuroDisney, hoje Disneyland Paris. Enquanto as maluquinhas queriam conhecer todas as montanhas-russas possiveis, eu só queria entrar no Mundo do Faz-de Conta. E, na excursão de trenzinho por meus dias de antigamente , para espanto geral e meu, explodi ao me deparar com a madastra de Branca de Neve e sua risada maquiavélica diante do espelho sincero. Gritei: Feia! Malvada! Te odeio! Soltei, enfim, o grito preso na garganta desde menina. E depois, feliz, saí à procura de uma torta de pêssegos e um chá bem quentinho, que era inverno.
Publicado no Blog do Matheus Leitão Netto (G1), em 12/10/2015
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