Não era dia especial nenhum, nem aniversário, nem Natal, nem dia dos namorados, mas ele me chegou com um livro embrulhado em papel presente e disse: "Você vai gostar". Sabia que eu tinha uma queda especial por histórias de amor impossível, iguais a nossa. Mesmo quando estávamos bem, sabíamos que não era para sempre. Tinha sempre um adeus pairando no ar, um gosto de última vez nos encontros. Aquela sensação de se pisar em ovos, de gato andando entre cristais valiosos, de flores sensíveis desfalecendo num piscar de olhos. O livro: O amor nos tempos do cólera. São duas as passagens fatais. Na primeira, quando o casamento se consuma, o personagem diz pra si mesmo que nunca iria amar aquela mulher que abraçava. A segunda, quando morre, de uma queda estúpida, vê a mulher e percebe que a tinha amado sempre.
Na primeira semana de dezembro de 1991, eu estava no saguão do Hilton Hotel em Cartagena, Colômbia. Eu e quase duas dezenas de outros jornalistas acompanhávamos o então presidente, Fernando Collor, que participava da V reunião do Grupo do Rio. Acompanhá-lo era sempre uma loucura porque, mediático demais, estava sempre fazendo e acontecendo. Pela manhã, já tínhamos testemunhado seu cooper diário pelas ruas da cidade nova, uma espécie de Miami, onde ficava o hotel que hospedava a comitiva brasileira. Um transtorno de seguranças, congestionamentos, fotógrafos e jornalistas ensandecidos.
Na volta, esperávamos Collor se aprontar para a programação oficial, que recomendava o traje típico caribenho, a guayabera, uma espécie de camisa com linhas de pespontos ou bordados na frente, terminando em dois bolsos. Esta parte da Colômbia, apesar de banhada pelo mar das Antilhas, tem relações estreita com os países do Caribe. Mas, Collor, claro, foi único que se apresentou para a foto oficial de terno e gravata. E, enquanto esperávamos, quem fica dando sopa no saguão do hotel? Ele. O autor do livro que ganhei de presente: Gabriel Garcia Marques, vestido bem à vontade, e com um enorme chapéu de palha.
Gabo passa uma vez e os jornalistas brasileiros não se mexem. Passa outra vez - participava de um evento paralelo à reunião - e ninguém acha importante falar com ele. Nem eu. Afinal estávamos todos ligados demais nas estrepolias de nosso presidente. Não foi o único dia que vi Gabo passar acessível pelo saguão. Passou várias vezes e, em muitas delas, parou para conversar com quem o abordasse. E eu, ali, com meu gravador. Nem precisaria ter me dado ao trabalho de perguntas complicadas. Poderia ter lhe perguntado sobre o tempo, o Brasil, sobre o mar esmeralda ali bem diante de nós. Sei lá, qualquer coisa! Sim, eu deveria ter conversado com ele. E a conversa, certamente, teria derivado para uma interessante entrevista. Como dizia minha mãe, "se arrependimento matasse eu estaria morta e enterrada."
Publicada no Blog do Matheus Leitão Netto, em 02/10/2015
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