Todo mundo tem um tio que gosta de pescar ou de cuidar de passarinho. Que gosta de jogar no bicho ou carteado. Tem tio que bebe mais do que devia, tio contador de histórias, de piadas, de vantagens. Tem tio bonzinho. Implicante. Bravo demais ou calado demais. Tio que fala alto, que come muito. Tem tio ranzinza, cheio de noves horas. Tio carola ou ateu. Um tio reacionário. Um tio comunista. Um tio gente fina e outro mulambento. Um tio generoso, outro pão-duro que só. Um tio muito tímido, outro valentão.
Nós de família grande tivemos tios pra todos os gostos, alturas e cores. Tios paternos ou maternos e tios por afinidade porque casados com irmãs dos nossos pais ou mães. Mas, Graças a Deus, nenhum deles, mesmo os que bebiam além da conta, batiam nas mulheres ou desrespeitava meus avós. Também não tivemos tios violentos com crianças. Levando-se em conta os dias de hoje, isso pode parecer nada demais. Mas naqueles tempos outros, não bater na mulher ou não abusar da violência com os filhos era saudado como grande qualidade de um homem.
Como as famílias viviam muito próximos, implicâncias de irmãos e irmãs quando crianças, vigoravam também na idade adulta ou madura. Meu pai, por exemplo, implicava porque o irmão mais velho, o Lolô, já era homem feito e gostava de cuidar de passarinhos, de trocá-los por algum dinheiro, de participar de encontros para treiná-los em trinados ou de concursos de cantos.
Tinha passarinho, como pardais, que tio Lolô não respeitava e neles praticava tiro ao alvo com uma espingarda. Não passava pela cabeça de meu pai, dez anos mais novo, que meu tio tivesse tais gostos como também o de pescar. Aliás, meu pai achava tudo isso perda de tempo, coisa de gente que ficava velho e não crescia. Então, histórias de caçadas e de pescarias irritavam profundamente meu pai que saía da sala, fazendo a maior desfeita, caso a conversa enveredasse por esses assuntos.
Aliás, meu pai não acreditava em atividades de lazer, nem em passatempos, nem em almoços e jantares que descambasse pra proseios sem fim. Segundo ele, conversas sem tempo certo descambavam em bobagens. Se convidado por parentes, ia, almoçava, conversava um pouco e logo estava dando sinais para minha mãe que queria picar a mula. Minha mãe e nós crianças, é claro, ficávamos muito aborrecidas com isso. Mas fazer o que? Quem tem juizo obedece, não é mesmo?
Um dia meu pai já bem doente e viúvo estava em minha casa e resolveu ligar pro tio Lolô em Cianorte, Paraná. Atendeu-lhe um irmão cheio de energia, alegre, de partida para Mato Grosso, onde passaria dias e dias só... pescando. Meu pai logo perdeu o humor e foi logo perguntando se meu tio, dez anos mais velho, não tinha mais o que fazer do que viver a mesma vida de sempre. "Não acredito que você ainda pesca", disse-lhe para ouvir como resposta: "Dário, vou pescar até depois de morto!"
Meu pai morreu aos 69 anos, em maio de 2003. O irmão mais velho, aos 89 anos, dez anos depois. Contando-se os anos pré-nascimento e os pós-morte do meu pai, viveu 20 anos mais que ele. Santas pescarias. Santos passarinhos!!!
Olá Clara!
ResponderExcluirestava procurando no google por um tal de Ido Pelicano e vim parar aqui no seu blog. (é seu parente? vai dar um curso de horta amanhã de manhã, no viveiro aroeira...) rs.
por coincidência também tenho uma amiga da família Favilla, a Kátia.
e moro em Brasília.
e atravesso a ponte JK todos os dias!
ah! e também tenho muitos tios, diversos, como os seus.
então, agora apresentada, quero te dar os parabéns pelo sítio.
é ótimo de ver e ler.
e quando eu crescer quero contar as minhas histórias assim como vc conta as suas.;)
um abraço,
A.
A vida é assim mesmo, cada um gosta de uma coisa, é preciso respeitar a individualidade. Esse nosso Tio Lolô era uma figura queridíssima e foi uma pena a distãncia que ficamos dele por tanto tempo, mas valeu a lembrança de alguns encontros. Temos nossas histórias registradas com ele.
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