terça-feira, novembro 10, 2020

Poemas juvenis - Para Valéria

Um poema que não teve forças de fazer valer nem nome



Acenda as luzes da casa toda

para que iluminando tudo

faça nas paredes

sombras silenciosas

dos corpos que existiam diante delas.

Antes

abra a janela da sala 

bem aberta

dispense a cortina

e deixe as paredes

assim impassíveis e mudas

nuas

sem dizer palavra

atire pela janela já aberta

os quadros

os móveis

existindo inúteis, desnecessários

a cadeira de balanço

o grande sofá

mas que fique as poltronas

as almofadas

e o violão sempre exista em algum canto

visível e claro


da cozinha arranque os armários

a mesa que atrapalha nossos passos

cadeiras e prateleiras

xícaras , copos, pratos

e tantos talheres.


Caminhe também pelos quartos

devagar

esvaziando guarda-roupas

de roupas, cartas antigas

fotos que já não dizem nada

e as que ainda dizem

estas, atire fora primeiro.

Depois

da casa assim vazia

e grandemente silenciosa

exista algum tempo

sem gestos

parada

e espere

só muita preguiça

em qualquer canto da sala.


A porta abrir-se-á então

não sei se devagar

porque agora, para minha tristeza

escapa-me seu jeito costumeiro

de abrir a porta.

Seus olhos, no início, mostrarão pela mudança

grande espanto

espanto de quem vê desejo satisfeito

assim sem ter por ele

muito esperado.

Dizendo quase nada 

alcançará o violão deixado ali mesmo

e sem pressa

cantará  música do Chico ou do Caetano.

Pode ser até, quem sabe, aquela 

feita pra você enquanto penteava os cabelos.





Se for vontade dele

que você cante

mas sem sorrir

(não sei porque lhe peço isso)

Mas se quiser, sorria.

Ele gosta.

Deixe que aconteçam conversas preguiçosas

arrastadas

e aquele silêncio maior

e mais forte que palavras existindo juntas. 

Deixe que ele ande

pelos espaços da sala

conhecendo vazios

sem tentativas de preenchê-los

e se aproxima da janela

para ver simplesmente nada.



Depois

é bom lhe servir um café

nem tão fraco nem tão doce

bem quente

que dê forças

para que todas as coisas que eu sei 

e as que fogem ao entendimento

do meu coração

continuem existindo.

Clara/1973

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