quinta-feira, julho 02, 2009

De frangos e porcos...

Pelo menos três vezes por ano, o puxadinho do quintal da minha avó (leia post anterior) era também cenário de facadas certeiras no coração de porcos que mal andavam de tão gordos, a poder de mandioca, angu de fubá, um pouco de milho e lavagem recolhida da vizinhança inteira. Pra quem não sabe, lavagem é resto de refeições, misturado com cascas de frutas e legumes,além de comida que de tão requentada não tem condições de ser mais servida.

Crianças, naqueles tempos, tinham como tarefas buscar os pães da manhã e da tarde na padaria, leite na leiteria, linhas e botões nos armarinhos, além de recolher, à noite , depois do jantar, baldes de lavagens pela vizinhança. E vínhamos apostando corridas, derrubando parte daquele líquido azedo pelas calçadas. Eca!!!

Crianças eram proibidas de presenciar a matança de frangos, cabritos e porcos porque, segundo diziam, ficavam com pena dos bichinhos e isso fazia com que demorassem a morrer. Mas depois de mortos podíamos assistir tudo, o que prefiro aqui não descrever pormenorizado pra não perturbar sensibilidades.

Dos frangos e galinhas só não se aproveitava os olhos, o bico e as unhas. Os penosos depois de mortos eram pendurados pelas pernas numa cadeira para que o sangue descesse quase todo pros pescoços e cabeças. Passado um tempo, eram degolados e os pescoços amarrados bem fortes e jogados sem serem desligados das cabeças em caldeirões de águas fervente. Depois, cabeças e pescoços eram limpos sem perigo do sangue ser derramado. Já havia virado um disputadíssimo chouriço.

Já decapitados, nossos amigos de tantas correrias pelo quintal e ruas eram também jogados nos caldeirões para que as penas amolecessem. Feito isso começava a depenação. Penas grandes e duras eram separadas das menores e mais macias, que eram secas em peneiras com um pano por cima para não voarem. Viravam travesseiros.

Todos os miúdos inclusive as tripas eram aproveitados. As mais finas, depois de uma limpeza que incluía a retirada de uma película interna eram picadas em rodelas e cozidas junto com a carne. As mais grossas depois de recheadas viravam lingüiças. Para que isso poudesse ser feito, as tripas eram viradas do avesso com a ajuda de uma agulha de tricô.

Os nossos amados porcos que noutro dia mesmo arrastavam a barriga pelo quintal de tão gordos sofriam o mesmo ritual. O sangue era aproveitado em chouriços embalados nas próprias tripas. Os miúdos iam para o sarapatel. A banha mais espessa era derretida e guardada em latas. A mais fina com um pouco de carne virava torresmo. Antes de ser aberto ao meio, o querido porco era pelado. E, para isso, era molhado em álcool que queimava o pêlo mais grosso. Era, então, ensaboado e raspado de navalha até o couro ficar branco e lisinho.

Enxaguado e enxugado o porco estava pronto para ser aberto. Os vizinhos que haviam contribuído com as refeições do morto ficavam por ali, na espreita, de olhos botocudos, querendo adivinhar com quais pedaços seriam brindados. A repartição se dava assim que as partes internas eram removidas. E era um trança-trança de meninos levando pedaços de carne e toucinho para este e aquele da rua.

As carnes eram salgadas e fritas o suficiente para serem conservadas em latas de banha bem fechadas. E consumidas ao longo de meses. As próximas semanas seriam de festa: torresmos no feijão, arroz mais lustroso que o habitual , carne de porco assada, frita, chegada na panela com batatas douradas, lingüiça com pimenta, lingüiça com muitíssima pimenta, e uma grande panceta a defumar, pendurada acima do fogão. Quando o pano acinzentava e a ponta umedecia em gotas de gordura era hora de fatiá-la e comê-la de recheio no pão quentinho!!! Uma festa!!!

2 comentários:

  1. Me recordo com saudades dessas matanças, pois depois delas comiamos cada coisa boa!
    Me lembro especialmente da linguicinha fina que a vó Ina pendurava sobre o fogão de lenha para "curar" e, era posível come-la aos pedaços tirados com a mão, ali mesmo!
    Hummmmmmm!!!!!!!!!

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  2. Lembrei-me também agora de comermos linguiça frita na pinga que era queimada em um daqueles pratos ingleses da vó Ina.....

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