terça-feira, junho 23, 2009

Sem pertubar a plateia, com os pezinhos de lã de quando meninos

Éramos proibidos de escutar as conversas dos mais velhos. Bem que tentávamos nos fazer invisíveis, prendíamos a respiração, andávamos como se tivéssemos pezinhos de lã. Mas os mais velhos, sempre atentos, nos expulsavam dos recintos, muitas vezes com beliscões daqueles de deixar marcas por dias..
E sempre havia conversas à meia voz pelos cantos da casa, nas penumbras dos quartos. Queixas, lamúrias e risinhos maliciosos também. E até gargalhadas misteriosas... e nós ali, que nem bobos, não entendendo nada.

Quando jovens somos nós que não queremos papos com os mais velhos. Não temos paciência para as queixas de um e de outro, nem para histórias, mesmos as felizes. Adultos, formamos nossas famílias e nada é mais importante do que acontece bem perto de nós. E os mais velhos estão ali apenas compondo os cenários de nossos dramas pessoais.

Aí, amadurecemos, começamos a envelhecer e passamos a buscar explicações para o que apenas presumimos durante nossa infância e início da adolescência. Queremos outros pontos de vista sobre o que foi a nossa vida e dos que nos antecederam. Então perguntas e mais perguntas acendem-se velozes, mas quando a pronunciamos só ouvimos nosso próprio eco. Nossos avós, pais, tios e mesmo primos mais velhos queridos já nos disseram o definitivo adeus. E, se ainda vivos, estão tão fragilizados que evitamos tocar em cicatrizes ou feridas não curadas pelo tempo.

E assim começamos a pesquisar o que somos no que fomos para achar explicações que sosseguem nossa alma. Fotos, cartas antigas, cadernos escolares, depoimentos de pessoas mais próximas. Vamos montando lentamente mosaicos incompletos, às vezes indecifráveis do que nos aconteceu, do que aconteceu aos que viveram próximos de nós, em segundo plano, quando estávamos muito preocupados em fazer carreira, em manter ou acabar casamentos, em criar os filhos, em conhecer aquela país e também aquele outro.

E, de repente, apenas um pedacinho, o menor de todos, de cor mutante, indefinida, é capaz de jogar a luz misericordiosa sobre tudo. Não precisamos entender nada. Vivemos. Entramos em cena aos trancos e barrancos, aos berros pela dor de ter que respirar. Mas podemos dela sair sem perturbar a platéia, com nossos pezinhos de lã de quando meninos...

4 comentários:

  1. Clara, fico deveras impressionado com a sua produtividade textual, tanto pela qualidade quanto pela quantidade. Este blog está sempre sendo enriquecido por suas palavras singulares. Parabéns, minha flor irlandesa!!!

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  2. Marcelo, por favor recolha-se!!
    Boa noite.

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  3. Clara, virei visitante assidua de seu blog, sem contar que esparramei seu endereço para muitos primos e sobrinhos.
    Você diz as palavras que sentimos sobre muitas coisas.
    Obrigada.

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  4. Que bom Inah!
    Ainda vamos nos conhecer, tenho certeza.
    Beijos

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