Um poema que não teve forças de fazer valer nem nome
Acenda as luzes da casa toda
para que iluminando tudo
faça nas paredes
sombras silenciosas
dos corpos que existiam diante delas.
Antes
abra a janela da sala
bem aberta
dispense a cortina
e deixe as paredes
assim impassíveis e mudas
nuas
sem dizer palavra
atire pela janela já aberta
os quadros
os móveis
existindo inúteis, desnecessários
a cadeira de balanço
o grande sofá
mas que fique as poltronas
as almofadas
e o violão sempre exista em algum canto
visível e claro
da cozinha arranque os armários
a mesa que atrapalha nossos passos
cadeiras e prateleiras
xícaras , copos, pratos
e tantos talheres.
Caminhe também pelos quartos
devagar
esvaziando guarda-roupas
de roupas, cartas antigas
fotos que já não dizem nada
e as que ainda dizem
estas, atire fora primeiro.
Depois
da casa assim vazia
e grandemente silenciosa
exista algum tempo
sem gestos
parada
e espere
só muita preguiça
em qualquer canto da sala.
A porta abrir-se-á então
não sei se devagar
porque agora, para minha tristeza
escapa-me seu jeito costumeiro
de abrir a porta.
Seus olhos, no início, mostrarão pela mudança
grande espanto
espanto de quem vê desejo satisfeito
assim sem ter por ele
muito esperado.
Dizendo quase nada
alcançará o violão deixado ali mesmo
e sem pressa
cantará música do Chico ou do Caetano.
Pode ser até, quem sabe, aquela
feita pra você enquanto penteava os cabelos.
Se for vontade dele
que você cante
mas sem sorrir
(não sei porque lhe peço isso)
Mas se quiser, sorria.
Ele gosta.
Deixe que aconteçam conversas preguiçosas
arrastadas
e aquele silêncio maior
e mais forte que palavras existindo juntas.
Deixe que ele ande
pelos espaços da sala
conhecendo vazios
sem tentativas de preenchê-los
e se aproxima da janela
para ver simplesmente nada.
Depois
é bom lhe servir um café
nem tão fraco nem tão doce
bem quente
que dê forças
para que todas as coisas que eu sei
e as que fogem ao entendimento
do meu coração
continuem existindo.
Clara/1973
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