Neste prato de vidro azul da foto eu ganhei de meu tio e padrinho Ângelo, confeiteiro dos melhores, o bolo mais lindo de aniversário a minha vida. Eu fazia 17 anos e estava em férias, hospedada na casa da minha tia e madrinha Nair, em Ouro Fino, e o bolo era todo coberto de rosas em tons degradè feitas uma por uma com maestria.
Adoro pratos de vidros. Podem ser desses antigos, presentes de casamentos dos nossos pais que sobrevivem em cristaleiras de primos e primas. Os da minha mãe não sobreviveram aos ataques de fúria de meu pai. Foi assim. Depois de minha mãe achar que tudo estava certo na nossa vida em Arapongas, meu pai desatinou. Viver na tranquilidade de dias previsíveis não era com ele não.
Vinha ganhando bem como contador de uma firma de beneficiamento e exportação de café, em Arapongas. Vivíamos em uma casa boa, espaçosa e de grande quintal, sem pagar aluguel. A casa era uma das dezenas de propriedades dos patrões do meu pai, os Scolari. Além desse emprego, também dava aulas na Escola de Comércio e era muito querido pelos alunos.
Este prato de vidro um dia hospedou um doce de limão galego feito por tio Ângelo. Ele tirou todo o bagaço, gomo por gomo, dos limões que davam no fundo do quintal da casa dele, em Ouro Fino. E apenas com o que chamávamos de garrafinhas da fruta fez o doce, livrando-o de todo o possível amargo.
Mas meu pai tinha a pretensão de se estabelecer no comércio, trabalhar por conta própria. Primeiro trouxe os pais dele para Arapongas. Meu avô cuidaria de um açougue. Mas só quando meu avô chegou de mudança, meu pai reconheceu que ele estava passado da idade para tal empreitada. Tudo bem se apenas administrasse o empreendimento e tivesse um empregado para fazer o serviço. Não, meu avô não admitia isso. Queria cuidar de tudo sozinho. Não deu certo. Mais uma vez deu com os burros n'água, como se dizia... e voltou para Ouro Fino.
Não contente com tal falta de visão, meu pai resolveu montar uma mercearia. Mas permaneceu por uns tempos no emprego. Para cuidar do negócio chamou o irmão caçula da minha mãe, o tio Zézinho que tinha como única experiência de trabalho a de balconista numa loja de tecidos e artigos de couro. A mesma Casa Caponni, que anos antes empregara um outro tio mais velho, o tio Ido.
Tio Zezinho que era noivo em Ouro fino, mostrou-se pouco responsável na administração do caixa e dos estoques da mercearia. E, depois de perder a noiva para outro, começou a gastar dinheiro com as "namoradas" de Arapongas. Minha mãe vendo tudo descambar, desesperou-se e mandou o irmão de volta. Meu pai largou o emprego, contra a vontade da minha mãe, e passou a gerir o negócio.
Não demorou muito pra começar a beber mais do que deveria. Também empregou de ajudante uma moça cheia de decotes e que fumava enquanto atendia fregueses. A tão pouco discreta funcionária durou menos de uma semana. Minha mãe foi até à mercearia, que já mais parecia um boteco, com meu irmão, ainda bebê, no colo e meu outro irmão maiorzinho pela mão, enquanto nós, as mais velhas, estávamos na escola. Sem delongas, deu um chispa na inconveniente. Meu pai não deu um pio.
Dias depois, meus pais fizeram um balanço do estoque, compararam com o fluxo de caixa, com os haveres e deveres e concluiram que o melhor a fazer era entregar o ponto ou os pontos, para ser mais exato. Fizeram a mudança do pouco estoque que restava para nossa casa. Minha mãe disse pro meu pai se virar e encontrar um novo emprego porque morreria de fome mas nunca mais voltaria para a casa da mãe, agora com quatro crianças. Meu pai disse que nem morto e seguiu para Guaíra, onde abriu um loja de produtos agropecuários, na esteira do sucesso que o irmão mais velho, Lolô, tivera em Cianorte.
Nós, nessas alturas, havíamos deixado a casa boa onde morávamos e estávamos de favor na casinha que fora nossa primeira morada em Arapongas, também propriedade dos Scollari. A passagem de meu pai por Guaíra foi bem confusa. As notícias vinham por carta. Não sabíamos como ele vivia lá e, em Arapongas, só não passávamos fome porque os vizinhos acudiam e minha mãe tinha cabra que dava leite, frangos e galinha poedeiras no quintal. Mas me lembro de buscar emprestado, óleo, arroz e açucar, cada dia em um vizinho diferente. Minha mãe fazia a gente decorar o que deveria dizer e era mais ou menos assim:
- Dona Fulana, minha mãe está apertada de dinheiro. Seria possível a senhora emprestar um copo de arroz, que ela paga assim que meu pai chegar.
Lembro-me de uma vez que Dona Isabel, um senhora mais velha, espanhola, depois de encher o copo de arroz, disse:
- Diga pra tua mãe que a gente tá também apertada e muito, viu?.
Muita mentira porque senti o cheiro dos assados que fazia naquele instante. E também a casa dela continuava linda, de chão brilhante e o jardim cuidado como sempre. Hortênsias, mores-perfeitos e dentes-de-leão em profusão, Claro que não contei nada disso para minha mãe.
Mas para encurtar a história: o negócio em Guaíra também não deu certo e meu pai voltou pra casa com uma mão na frente e outra atrás. O ex-patrão pediu a casinha de volta e nós mudamos para o outro lado da cidade. A nova casa até que era ajeitada, mas tinha um "pequeno" problema. Não havia água encanada no bairro e o poço do quintal estava seco. Mas era onde podíamos morar e a água vinha do poço do vizinho.
Meu pai arrumou empregou num escritório de contabilidade e até que poderia se arrumar de novo na vida, em Arapongas mesmo, se não se sentisse um fracassado e não começasse a beber e a faltar ao serviço. Mas este post é sobre minha paixão por pratos de vidros brancos ou coloridos. Vou explicar, então, a razão.
Eu achava lindo os pratos de vidro que minha mãe ganhara de presente de casamento. E quando ela os trouxe de Ouro Fino para Arapongas era porque entendia que ali faria a vida e criaria os filhos. Se não achasse isso - dizia - teria deixado os pratos e os poucos cristais que tinha na cristaleira da minha avó, em Ouro Fino, como havia feito quando moramos em São Paulo.
Adoro pratos de vidros. Podem ser desses antigos, presentes de casamentos dos nossos pais que sobrevivem em cristaleiras de primos e primas. Os da minha mãe não sobreviveram aos ataques de fúria de meu pai. Foi assim. Depois de minha mãe achar que tudo estava certo na nossa vida em Arapongas, meu pai desatinou. Viver na tranquilidade de dias previsíveis não era com ele não.
Vinha ganhando bem como contador de uma firma de beneficiamento e exportação de café, em Arapongas. Vivíamos em uma casa boa, espaçosa e de grande quintal, sem pagar aluguel. A casa era uma das dezenas de propriedades dos patrões do meu pai, os Scolari. Além desse emprego, também dava aulas na Escola de Comércio e era muito querido pelos alunos.
Este prato de vidro um dia hospedou um doce de limão galego feito por tio Ângelo. Ele tirou todo o bagaço, gomo por gomo, dos limões que davam no fundo do quintal da casa dele, em Ouro Fino. E apenas com o que chamávamos de garrafinhas da fruta fez o doce, livrando-o de todo o possível amargo.
Mas meu pai tinha a pretensão de se estabelecer no comércio, trabalhar por conta própria. Primeiro trouxe os pais dele para Arapongas. Meu avô cuidaria de um açougue. Mas só quando meu avô chegou de mudança, meu pai reconheceu que ele estava passado da idade para tal empreitada. Tudo bem se apenas administrasse o empreendimento e tivesse um empregado para fazer o serviço. Não, meu avô não admitia isso. Queria cuidar de tudo sozinho. Não deu certo. Mais uma vez deu com os burros n'água, como se dizia... e voltou para Ouro Fino.
Não contente com tal falta de visão, meu pai resolveu montar uma mercearia. Mas permaneceu por uns tempos no emprego. Para cuidar do negócio chamou o irmão caçula da minha mãe, o tio Zézinho que tinha como única experiência de trabalho a de balconista numa loja de tecidos e artigos de couro. A mesma Casa Caponni, que anos antes empregara um outro tio mais velho, o tio Ido.
Tio Zezinho que era noivo em Ouro fino, mostrou-se pouco responsável na administração do caixa e dos estoques da mercearia. E, depois de perder a noiva para outro, começou a gastar dinheiro com as "namoradas" de Arapongas. Minha mãe vendo tudo descambar, desesperou-se e mandou o irmão de volta. Meu pai largou o emprego, contra a vontade da minha mãe, e passou a gerir o negócio.
Não demorou muito pra começar a beber mais do que deveria. Também empregou de ajudante uma moça cheia de decotes e que fumava enquanto atendia fregueses. A tão pouco discreta funcionária durou menos de uma semana. Minha mãe foi até à mercearia, que já mais parecia um boteco, com meu irmão, ainda bebê, no colo e meu outro irmão maiorzinho pela mão, enquanto nós, as mais velhas, estávamos na escola. Sem delongas, deu um chispa na inconveniente. Meu pai não deu um pio.
Dias depois, meus pais fizeram um balanço do estoque, compararam com o fluxo de caixa, com os haveres e deveres e concluiram que o melhor a fazer era entregar o ponto ou os pontos, para ser mais exato. Fizeram a mudança do pouco estoque que restava para nossa casa. Minha mãe disse pro meu pai se virar e encontrar um novo emprego porque morreria de fome mas nunca mais voltaria para a casa da mãe, agora com quatro crianças. Meu pai disse que nem morto e seguiu para Guaíra, onde abriu um loja de produtos agropecuários, na esteira do sucesso que o irmão mais velho, Lolô, tivera em Cianorte.
Nós, nessas alturas, havíamos deixado a casa boa onde morávamos e estávamos de favor na casinha que fora nossa primeira morada em Arapongas, também propriedade dos Scollari. A passagem de meu pai por Guaíra foi bem confusa. As notícias vinham por carta. Não sabíamos como ele vivia lá e, em Arapongas, só não passávamos fome porque os vizinhos acudiam e minha mãe tinha cabra que dava leite, frangos e galinha poedeiras no quintal. Mas me lembro de buscar emprestado, óleo, arroz e açucar, cada dia em um vizinho diferente. Minha mãe fazia a gente decorar o que deveria dizer e era mais ou menos assim:
- Dona Fulana, minha mãe está apertada de dinheiro. Seria possível a senhora emprestar um copo de arroz, que ela paga assim que meu pai chegar.
Lembro-me de uma vez que Dona Isabel, um senhora mais velha, espanhola, depois de encher o copo de arroz, disse:
- Diga pra tua mãe que a gente tá também apertada e muito, viu?.
Muita mentira porque senti o cheiro dos assados que fazia naquele instante. E também a casa dela continuava linda, de chão brilhante e o jardim cuidado como sempre. Hortênsias, mores-perfeitos e dentes-de-leão em profusão, Claro que não contei nada disso para minha mãe.
Mas para encurtar a história: o negócio em Guaíra também não deu certo e meu pai voltou pra casa com uma mão na frente e outra atrás. O ex-patrão pediu a casinha de volta e nós mudamos para o outro lado da cidade. A nova casa até que era ajeitada, mas tinha um "pequeno" problema. Não havia água encanada no bairro e o poço do quintal estava seco. Mas era onde podíamos morar e a água vinha do poço do vizinho.
Meu pai arrumou empregou num escritório de contabilidade e até que poderia se arrumar de novo na vida, em Arapongas mesmo, se não se sentisse um fracassado e não começasse a beber e a faltar ao serviço. Mas este post é sobre minha paixão por pratos de vidros brancos ou coloridos. Vou explicar, então, a razão.
Eu achava lindo os pratos de vidro que minha mãe ganhara de presente de casamento. E quando ela os trouxe de Ouro Fino para Arapongas era porque entendia que ali faria a vida e criaria os filhos. Se não achasse isso - dizia - teria deixado os pratos e os poucos cristais que tinha na cristaleira da minha avó, em Ouro Fino, como havia feito quando moramos em São Paulo.
Conta mais,conta mais, vai.....
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